Como a gravidez *realmente* acontece
Os detalhes que não aprendemos na escola são fascinantes.
*Tradução: Juliana Secchi
Coisas importantes a saber:
É muito mais complicado do que "esperma encontra óvulo"
Apenas uma pequena fração do esperma que entra na vagina chega às trompas de Falópio
Leva cerca de 6-12 dias para o óvulo fertilizado viajar até o útero e grudar na parede do útero em um processo conhecido como implantação
Isso é o que a maioria de nós aprende sobre como a gravidez acontece:
Esperma encontra óvulo, óvulo chega ao útero e boom: gravidez.
Enquanto esse é o roteiro de como a fecundação funciona, existem muitas coisas acontecendo no corpo de uma pessoa que ajudam—ou às vezes dificultam—a ocorrência da gravidez.
Aqui falaremos sobre o que diferentes partes do corpo estão fazendo em dados momentos para se preparar para a gravidez quando ocorre a partir do sexo por penetração do pênis na vagina ou por meio de outras formas de inseminação, como a inseminação artificial. Algumas dessas informações também podem se aplicar à fertilização que ocorre com a ajuda de tecnologias reprodutivas artificiais (como fertilização in vitro (FIV)), apesar de que não focaremos diretamente nesse tópico aqui.
Prepare-se!: corpos, esperma e óvulos trabalham muito para chegarem a uma gravidez.
Também, para sua informação, muitas dessas informações são baseadas em pesquisas com animais, especialmente os eventos que acontecem no trato reprodutivo profundo. É possível que parte dessa informação venha a mudar no futuro.
Antes de começarmos
Antes de entrarmos de cabeça na fecundação, você pode revisar o seu conhecimento sobre óvulos e esperma e sobre como a ovulação acontece. Ovulação é quando um óvulo é liberado pelo ovário e isso é algo fundamental para todo o processo.
Continuamos de onde termina a ovulação.
Antes do sexo: como o colo do útero e a vagina se preparam para a gravidez
O colo do útero é o que conecta a vagina à cavidade uterina. Ele possui glândulas que produzem fluido cervical (também conhecido como muco cervical), que passa através da vagina. Você pode às vezes ver muco cervical na sua roupa íntima ou no papel higiênico ao se limpar.
As características do muco cervical mudam ao longo do ciclo menstrual (1-3):
Durante e logo após a sua menstruação: Você talvez não note nenhum muco cervical.
Entre a sua menstruação e ovulação: Conforme os níveis de estrogênio aumentam, a quantidade de muco cervical aumenta e se torna mais aquoso, denso e turvo (2,3).
Por volta da ovulação: O muco cervical normalmente se parece à clara de ovo: é fino, escorregadio e elástico (2-4).
Mas por que isso importa? Basicamente, o esperma se move melhor com muco cervical mais fino e elástico (3,4). Se o muco está ausente ou é grosso e pegajoso, o esperma tem dificuldade para atravessar o colo do útero (3,4).
O período entre a ovulação e quando o muco cervical está mais propício para o esperma é conhecido como janela de fertilidade.
Finalmente, o esperma exerce um efeito sobre a vagina. Normalmente a vagina é um pouco ácida como forma de proteção contra infecções (5). Quando exposta ao esperma, a vagina se torna menos ácida (1,5).
Antes de o esperma chegar: como o útero se prepara para a gravidez
Durante esse período, o útero desprende o endométrio que se formou durante o ciclo menstrual anterior. Após a liberação, o endométrio espera pelo estrogênio (produzido nos ovários) para voltar a aumentar. O estrogênio faz com que o revestimento do útero aumente, uma vez que estimula as células endometriais a se dividirem (2).
Após a ovulação, o endométrio se prepara para a possível chegada de um óvulo fertilizado. Em resposta ao aumento dos níveis de progesterona:
células endometriais param de se dividir e começam a crescer
o número de arterias aumentam
contrações uterinas são interrompidas (2).
Além disso, o aumento da progesterona após a ovulação também sinaliza ao endométrio que libere pequenos sacos cheios de açúcar no útero para nutrir o óvulo que está chegando (2).
O esperma tenta ao máximo
Se uma pessoa mantém relação sexual desprotegida por penetração pênis-vagina durante a janela de fertilidade, provavelmente pelo menos alguns espermatozóides atravessarão o colo uterino chegando ao útero. (Com inseminação artificial, normalmente o esperma é introduzido diretamente no colo do útero ou no útero, portanto, pula-se essa etapa.)
Embora o espermatozóide use sua cauda para nadar através do muco cervical na vagina e no colo do útero, é na verdade o útero que move o esperma através dele e para as trompas de Falópio (1).
A atividade sexual pode fazer com que o cérebro libere o hormônio ocitocina (1,6), que faz com que a camada mais interna do útero se contraia e empurre o esperma adiante (1,5,6). O útero também possui estruturas como pequenos dedos, chamadas cílios, que ajudam a mover o esperma em direção ao óvulo, ou assim se espera (1).
Contudo, o útero pode não ser um local totalmente seguro para o esperma.
O esperma desencadeia uma resposta imunológica quando entra no útero (5). Quando o esperma entra, o número de glóbulos brancos aumenta e eles começam a atacar os espermatozóides que estão morrendo, embora seja possível que eles também ataquem espermatozóides saudáveis (1,5).
Além disso, o esperma pode acabar subindo na trompa de Falópio errada. Na grande maioria das vezes, uma pessoa libera apenas um óvulo de um dos ovários. Isso significa que apenas uma das duas trompas de Falópio terá óvulos e alguns espermatozóides terão errado o caminho.
Apenas uma pequena fração do esperma que entrou na vagina chega às trompas de Falópio (5).
Fertilização: depois que o esperma chega, a mágica acontece
A mágica acontece nas trompas de Falópio.
À medida em que a trompa de Falópio empurra o óvulo em direção ao útero, os cílios empurram o esperma em direção ao óvulo. A progesterona e o estrogênio ajudam nesse processo, aumentando o número de cílios e a rapidez com que eles se movem (1).
O óvulo e as células circundantes produzem um produto químico que atrai espermatozóides (1,7). O esperma pode ser atraído pela temperatura na extremidade ovariana da trompa de Falópio, que tende a ser mais quente (1,5).
À medida em que viajam pelas trompas de Falópio, os espermatozóides adquirem a habilidade de fertilizar um óvulo (1). Eles passam por dois processos: capacitação, onde sua camada externa é alterada, e hiperativação, que altera a maneira como a cauda do espermatozóide se move (1,5).
Embora tenha chegado tão longe e já tenha mudado, o espermatozóide ainda tem trabalho a fazer: especificamente, romper as barreiras ao redor do óvulo.
Para adentrar o óvulo, o espermatozóide tem de fazer duas coisas:
Romper um grupo de células que circundam o óvulo, conhecidas como cumulus oophorus. O espermatozóide dissolve essas células usando uma enzima (1,7).
Romper a membrana externa do óvulo. O espermatozóide basicamente se funde e digere essa membrana usando uma enzima (1,7). Uma vez que um espermatozóide tenha penetrado um óvulo, essa membrana muda e se torna impenetrável para outros espermatozóides (1,7).
Agora anexado, o núcleo do esperma—onde os cromossomos são armazenados—entra no óvulo procurando pelo núcleo (1).
Quando encontra o óvulo, os núcleos do óvulo e do espermatozóide se fundem e compartilham seu material genético (1,7).
Se tudo correr bem, o óvulo fertilizado se torna um zigoto (1,7). O óvulo agora possui todo o material genético necessário para se tornar uma pessoa.
Implantação: o que acontece após a fertilização do óvulo
Demora cerca de 6-12 dias para o óvulo fecundado viajar até o útero e se prender na parede do útero no processo conhecido como implantação (1,8). O óvulo é empurrado em direção ao útero pelos cílios (1). O óvulo precisa se prender ao útero para designar uma gravidez de fato.
Enquanto percorre seu caminho até o útero, o óvulo vai se dividindo e formando diferentes estruturas (7).
Uma vez que estiver grande o suficiente *e* no útero, o óvulo deixa de ser um zigoto e passa a ser chamado de blastocisto (1).
Quando um gravidez começa de fato?
Quando o útero detecta o blastocisto, ele libera enzimas que rompem a membrana externa do blastocisto.
Uma vez essa barreira rompida, o blastocisto pode se anexar ao endométrio (1).
É aí que a gravidez realmente começa.
É um processo complicado
Às vezes, apesar de tudo, os óvulos fecundados não conseguem realizar a implantação.
Para cada 10 óvulos fertilizados, entre 4 e 6 não chegarão à implantação (9,10).
Essas perdas geralmente não são consideradas abortos espontâneos, uma vez que a maioria dos profissionais de saúde considera que a gravidez começa na implantação. No entanto, as pessoas que pensam ou sabem que perderam um óvulo fertilizado (como pessoas que usam tecnologias reprodutivas artificiais) podem considerar isso semelhante ao que seria um aborto espontâneo típico.
[Escrevemos sobre aborto espontâneo aqui e aqui.]
Como você pode ver, há muitos passos nesse processo e se algum deles não ocorre exatamente como deveria, a gravidez pode não acontecer.
Às vezes, o óvulo prende-se em outro lugar, como nas trompas de Falópio, e nesse caso a gravidez se torna inviável. Isso é conhecido como gravidez ectópica e deve ser tratada como emergência médica.
Apesar de que possa dar errado, é impressionante a frequência com que os nossos corpos fazem a coisa certa.
Artigo publicado originalmente em 29 de junho de 2019.