A relação entre alimentação e as fases do ciclo menstrual
Por que quero comer chocolate antes da menstruação? O que é bom consumir em cada fase do ciclo?
*Tradução: Jade Augusto Gola
Coisas importantes a saber:
Os desejos e anseios alimentares são mais frequentes na fase lútea, antes do início da menstruação, e são menos comuns na fase folicular, depois do começo da menstruação e antes da ovulação (1,2).
As pessoas com TPM ou TDPM podem sentir desejos mais intensos por alimentos doces ou gordurosos (7, 8).
O uso de anticonceptivos orais pode diminuir os desejos devido ao controle sobre as flutuações hormonais (9, 10).
A escolha dos alimentos que consumimos é resultado de uma complexa relação entre fatores hormonais, fisiológicos, psicológicos e culturais. O aumento do apetite ou a preferência por certos alimentos em determinados momentos do ciclo menstrual podem ser explicados a partir das flutuações hormonais; deste modo, ser consciente desta relação pode influenciar na melhor seleção de alimentos para consumo (1, 2).
A seleção adequada de alimentos e comidas pode ajudar na diminuição de alguns sintomas pré-menstruais e, inclusive, melhorar a saúde menstrual.
Assim, é necessário compreender como ocorrem as flutuações hormonais e sua relação com a ingestão de alimentos. No entanto, necessitam-se mais investigações científicas para conhecer a profundidade desta conexão. Abaixo nós desdobramos alguns dos estudos que já existem sobre o tema (3).
O que são os desejos alimentares?
Antes de aprofundarmo-nos na relação entre ciclo menstrual e alimentação é preciso declarar o que é um desejo alimentar. Os desejos são mudanças no apetite: surgem como uma ânsia (difícil de conter) em ingerir certo tipo de comida, como doces e alimentos ricos em gorduras. Naturalmente, há diferenças entre ter um desejo e sentir fome. Nós sentimos os desejos por certos alimentos com muita intensidade, enquanto que ao termos fome não pensamos muito se queremos algum alimento em especial (4).
O ciclo menstrual e o consumo de alimentos
Um estudo realizado na Alemanha e publicado em 1995 indagou sobre o consumo de alimentos durante o ciclo menstrual: fizeram parte do estudo 27 mulheres entre 21 e 48 anos que não usavam anticoncepcionais orais e que tinham menstruações regulares. Observou-se que durante a fase lútea (a fase logo depois da ovulação e antes do início da menstruação) há um ingestão maior de alimentos energéticos do que na fase folicular (a fase que vai do início da menstruação até antes da ovulação), e isso pode ser relacionado com os baixos níveis de estrogênio e serotonina, além de complexos mecanismos neuroquímicos. O estudo também evidenciou que as percepções de cheiro e sabor dos alimentos podem mudar, além da preferência por doces (1).
Durante a ovulação ocorre uma ingestão menor de energia e durante a fase lútea há uma ingestão maior de energia, a chamada hiperfagia lútea: um aumento exagerado do apetite (2).
Nesta fase aumenta o desejo por alimentos doces e gordurosos. Para compreender essa dinâmica é necessário correlacionar as flutuações dos hormônios produzidos pelos ovários (estrogênio e progesterona) com outras flutuações hormonais que regulam a nossa alimentação. Esse estudo é interessante porque destaca como algumas mulheres podem ser mais sensíveis à hiperfagia lútea e mais propensas à obesidade (2).
Outro estudo, feito nos Estados Unidos com 51 mulheres sobre as flutuações hormonais e a alimentação, determinou que há uma diminuição da ingestão de alimentos e um aumento do estradiol perto da janela de fertilidade, ou seja, perto da ovulação. Já na fase lútea, aumenta a progesterona e o consumo de alimentos (5).
Um estudo realizado na América Latina evidenciou a complexidade dos diversos fatores que atuam na seleção e no consumo de alimentos. A pesquisa científica feita no México com um grupo de 936 mulheres entre 15 e 35 anos, residentes de zonas urbanas, observou que durante a menstruação mudavam os hábitos alimentares de acordo com a presença de vários sintomas de mal-estar e a intensidade com que se apresentavam. Esse estudo destacou a relação entre o nível de escolaridade e as mudanças no consumo de alimentos as mulheres com menor escolaridade fazem maiores mudanças em seus hábitos. (6).
Alimentação, TPM e TDPM
As pessoas com TPM e TDPM podem experimentar maior intensidade no apetite durante a fase pré-menstrual.
Um estudo publicado em 1997 investigou tal correspondência e revelou a importância da serotonina no controle do desejo de alimentos. A serotonina é um neurotransmissor, um composto químico que transmite informação de um neurônio a outro em processos relacionados ao apetite, ao sono, a níveis de ansiedade e ânimo; comumente associado ao bem-estar e à felicidade (15).
Observou-se na fase pré-menstrual que há maiores desejos de alimentos ricos em carboidratos e que se manifestam sintomas de depressão, o que é associado a uma baixa atividade de serotonina. Este estudo sugere que os desejos podem ser um mecanismo de adaptação ante à falta de serotonina, posto que o consumo de carboidratos aumenta a presença do hormônio no cérebro. No entanto, destaca-se que as conclusões são incipientes (7).
Esse artigo evidencia que os desejos são mais intensos quando a depressão é grave e que essa é maior durante a fase pré-menstrual, o que pode levar ao aumento de peso. Além disso, mudanças nos níveis de serotonina podem implicar maior vulnerabilidade aos desejos, ao aumento do consumo de alimentos e à depressão (7).
Para conhecer a relação entre a ingestão de alimentos e o transtorno disfórico pré-menstrual (TDPM), um estudo publicado em 2008 que contava com 29 participantes estadounidenses—um grupo tinha TDPM e outro não—determinou que as mulheres com TDPM tiveram um aumento do apetite e da ingestão de alimentos durante a fase lútea, em comparação com a fase folicular e com mulheres que não sofriam de TDPM. O aumento de apetite é sobretudo para alimentos ricos em gordura, tanto doces como salgados (8).
Essa pesquisa sugere que as vontades de comida se relacionam com um déficit de serotonina e/ou com neuroesteroide, que intervêm em processos cerebrais relacionados ao estado de ânimo e o comportamento (8).
Alimentação e o uso de contraceptivos
Outro aspecto a se observar é a incidência do uso de contraceptivos e o consumo de alimentos. Uma pesquisa foi realizada em 2009 com 55 mulheres entre 18 e 54 anos, das quais uma parte não estavam de TPM ou não usavam anticoncepcionais orais e a outra parte apresentava algumas dessas condições. As mulheres que não tomavam anticoncepcionais orais tiveram uma maior ingestão de alimentos doces na fase folicular, em comparação com as mulheres que tomavam os anticoncepcionais orais; essas últimas não apresentaram flutuações em seu consumo de alimentos em nenhuma fase do ciclo (9).
A evidência pode sugerir que o uso de anticoncepcionais orais pode diminuir os desejos de comer certos alimentos, no entanto, esse estudo não examinou o conteúdo hormonal dos anticoncepcionais usados pelas participantes (9).
Outro estudo, de 2019, adverte que os anticoncepcionais orais poderiam afetar os mecanismos de assimilação e absorção de nutrientes essenciais ao corpo, como as vitaminas B6 e B12, o ácido fólico, o zinco, selênio e magnésio. Esse estudo chama a atenção sobre a alimentação das mulheres em países sem uma alimentação adequada e com uso regular desse tipo de contraceptivos. Mas é necessário mais pesquisas para conhecermos em profundidade o impacto desse tipo de contraceptivos na nutrição das mulheres (10).
Chocolate e o ciclo menstrual
É comum escutarmos que muitas mulheres têm desejos por chocolate durante o início do ciclo menstrual. Na verdade, as mulheres jovens estadounidenses que mais consomem chocolate no início do ciclo e durante os dias da menstruação. No entanto, não há evidência que indique que o consumo de chocolate seja devido a particularidades desses dias específicos do ciclo menstrual. Ou seja, o consumo de chocolate pode ser associado a outros fatores distintos ao ciclo menstrual (11).
Um estudo realizado nos EUA revelou que o desejo de comer chocolate é um dos mais comuns entre as mulheres jovens e adultas. Participaram do estudo 97 mulheres que não deviam ter um índice de massa corporal (IMC) associado a sobrepeso ou obesidade. Do total, 28% tiveram desejo por chocolate relacionado ao ciclo menstrual, sobretudo nos dias antes do princípio ou nos dias da menstruação. Esse estudo é altamente significativo porque demonstra que existe uma relação entre o consumo de chocolate e certos sentimentos negativos, como a culpa, em associação ao aumento de peso (11).
O que é certo é que há um desejo de ingestão de alimentos doces de qualquer tipo, não apenas chocolate.
Outro estudo, também publicado em 2017 e realizado nos EUA com 275 participantes provenientes de diferentes países, revelou que os desejos de consumir determinados alimentos podem ser resultado do contexto cultural, dado que as participantes que não nasceram nos Estados Unidos eram menos propensas a comer chocolate no início da menstruação (17,3%) em comparação às participantes cujos pais nasceram nos EUA. Assim que o processo de aculturação acontece, ao se escolherem como próprios os costumes e modos da sociedade em que se vive (no caso a cultura dos EUA onde se come muito chocolate), é mais provável que a resposta à pergunta se há desejos durante certos dias do ciclo sea sim (12).
O que é melhor comer em cada fase do ciclo menstrual?
Dependendo da fase do ciclo em que estejamos, é melhor dar preferência a determinados alimentos, já que estes podem ter efeitos positivos sobre alguns sintomas pré-menstruais.
Um estudo avaliou os efeitos dos ácidos graxos ômega-3 no tratamento da TPM em 124 mulheres, entre as quais havia um grupo que recebia duas gramas de cápsulas de ômega-3 e um outro grupo de controle que recebia pastilhas de placebo em um intervalo de três meses. Ficou evidenciado como as mulheres que receberam as cápsulas com ômega-3 apresentaram uma redução dos sintomas psiquiátricos da TPM como depressão, ansiedade e falta de concentração, e outros sintomas físicos como inchaços e sensibilidades nos seios (13).
O Ômega-3 pode servir para diminuir os sintomas que se manifestam antes do início da menstruação. Ele se encontra em alimentos como:
Peixes, como salmão, atum, arenques e sardinhas.
Algumas nozes e sementes, como a linhaça e chia (14).
Se for o caso de você ter muita vontade de comer chocolate na fase lútea, prefira aqueles que tenham uma porcentagem alta de cacau. Um estudo assinalou que o consumo de chocolate com 85% de cacau pode ter efeitos positivos para aliviar o estresse em mulheres jovens (15).
Um estudo realizado nos EUA acompanhou 33 mulheres que tinham uma dieta vegetariana baixa em gorduras e comparou seus ciclos quando tomavam pílula de placebo. A conclusão foi de que houve aumento da globulina, uma molécula que participa no transporte de hormônios sexuais através do sangue, e houve diminuição dos sintomas pr-émenstruais e de dismenorreia quando as participantes não tomavam a pílula de placebo (3).
Uma dieta vegetariana inclui o consumo de verduras, frutas, ervilhas, grãos, sementes e nozes. Algumas personas incluem ovos e laticínios em suas dietas vegetarianas (16). Este tipo de dieta pode ter como benefício menos sintomas pré-menstruais na fase lútea.
Parte de uma tradição não ocidental de nutrição, existe o conceito de consumo de sementes como forma de regular os hormônios reprodutivos, dieta conhecida como Ciclo das Sementes (seed cycling). Trata-se de consumir grandes quantidades de sementes de girassol, gergelim, linho e linhaça, de maneira constante, para alcançar efeitos positivos em sintomas pré-menstruais e/ou outros que se apresentem ao longo do ciclo.
É conhecido também o uso de plantas medicinais para alívio da dor menstrual, sendo camomila e gengibre os exemplos mais conhecidos. Um artigo científico observou como alguns dos componentes da camomila têm propriedades antiinflamatórias, antiespasmódicas e calmantes, que são úteis para os alívios de sintomas pré-menstruais. No entanto, ainda não é clara a quantidade necessária para que o consumo seja efetivo (17).
Outra planta medicinal que pode ser útil para o alívio das cólicas menstruais é o gengibre. Um estudo afirma que o gengibre pode ser tão efetivo quanto analgésico devido às suas prováveis propriedades contra a dor e inflamações, mas é preciso ressaltar a falta de qualidade da coleta e análise de informação sobre o tema. (18).
Para as mulheres e pessoas que menstruam e que têm ciclos intensos ou de longa duração recomenda-se o consumo de alimentos com bastante ferro, que ajuda a evitar a anemia e o cansaço (19). O ferro pode ser encontrado nos seguintes alimentos:
Verduras verdes (como espinafre) e nozes
Legumes (feijões brancos e coloridos, lentilhas e ervilhas verdes)
Cereais de café da manhã e pães fortalecidos com ferro
Carnes magras (brancas), frutos do mar e aves
De acordo com os estudos anteriores, é melhor consumir na fase lútea:
Ferro (Carne, ovos, mariscos, verduras verdes e legumes)
Chocolate com alta porcentagem de cacau ("dark", meio amargo)
Dieta vegetariana
E para o tratamento de sintomas pré-menstruais e o alívio das dores menstruais, recomenda-se o consumo de (14, 18, 19):
Ômega-3 (Peixes: salmão, atum, sardinhas e arenques; sementes de linhaça e chia)
Camomila
Gengibre
Os alimentos que consumimos podem afetar positiva ou negativamente nosso ciclo menstrual, podem ajudar a aliviar alguns sintomas e também pode exacerbá-los. Esta é uma relação bastante complexa, já que também são fatores a serem levados em conta o contexto cultural e nossos antecedentes médicos. No entanto, uma alimentação saudável e equilibrada terá efeitos não apenas em nossa saúde menstrual, mas também em nosso bem-estar de modo geral.