Uma breve história dos produtos menstruais modernos
Como chegamos aos absorventes que temos hoje?
*Tradução: Juliana Secchi
Durante a maior parte da história humana, a menstruação foi associada a tabus e estigmas. Mesmo quando as tecnologias menstruais modernas começaram a se desenvolver, crenças sobre a menstruação ser anti-higiênica e discussões sobre essas preocupações "impróprias" mantiveram os produtos menstruais fora do acesso popular.
Antes de 1985, a palavra "menstruação" nunca tinha sido mencionada na televisão norte-americana. De qualquer forma, essas normas culturais não pararam a inovação tecnológica: o primeiro absorvente descartável chegou ao mercado em 1896. Hoje em dia os produtos para menstruação são uma indústria mundial multibilionária, com anúncios em horário nobre e inúmeros produtos no mercado.
Como mudamos de bandagens e fibras vegetais para absorventes modernos coletores menstruais (1)? E à medida que as tecnologias para menstruação melhoram, o que elas mudaram para as pessoas que as usam?
(Se você está se perguntando como as pessoas ao redor do mundo lidavam com suas menstruações antes de 1800, leia aqui nossa entrevista com a historiadora Helen King.)
1800 a 1900: Virada do século: dos trapos à seda?
Durante a maior parte do século XIX, nas sociedades europeias e norte-americanas, panos menstruais feitos em casa de flanela ou tecido eram a norma.
Por volta da virada do século, as preocupações com o desenvolvimento bacteriano devido à higienização inadequada de produtos reutilizáveis entre as roupas criaram um novo mercado de “higiene” menstrual. Entre 1854 e 1915, vinte patentes foram apresentadas para produtos menstruais, incluindo os primeiros copos menstruais (geralmente feitos de alumínio ou borracha dura), calças de borracha (literalmente calções ou roupas íntimas forradas com borracha) e toalhas de Lister (um precursor dos absorventes largos) (3).
Calças menstruais feitas de borracha (3).
Enquanto os produtos eram comercializados porta a porta na década de 1870, os primeiros produtos comerciais disponíveis para o público geral surgiram na década de 1890, por meio de publicação em catálogos. Utensílios menstruais, incluindo um “Cinto Elástico Doily para Senhoras” (um cinto de seda e elástico ao qual você conectaria uma almofada) e “Almofada Antiséptica e Absorvente” foram introduzidos na mesma época (2).
Na década de 1890, novos utensílios como o Cinto Elástico Doily para Senhoras começaram a aparecer em catálogos. Você deveria conectar a almofada absorvente ao cinto elástico de seda (2).
Mas enquanto os inventores estavam começando a ver a necessidade para tais produtos, os tabus morais em torno da menstruação significavam que os consumidores ainda relutavam em serem vistos comprando-os. Especula-se que isso motivou o fracasso comercial das Toalhas Lister, a primeira almofada descartável feita de gaze e algodão, que chegou ao mercado em 1896 (2).
De 1900 à Primeira Guerra Mundial: lições do campo de batalha
Durante a Primeira Guerra Mundial, as enfermeiras perceberam que a celulose era muito mais eficaz na absorção do sangue do que as bandagens de pano. Isso inspirou o primeiro absorvente higiênico de celulose Kotex, feito a partir de bandagens de guerra de alta absorção que haviam sobrado, sendo vendido pela primeira vez em 1918.
Em 1921, o Kotex se tornou o primeiro absorvente higiênico comercializado em massa a ter êxito (3, 1). Além de fornecer a inovação para um produto que mudaria drasticamente as opções disponíveis, a guerra causou outra grande mudança na vida das mulheres: agora a contribuição delas se tornava necessária para a produção em fábricas de uma forma que nunca havia sido antes. Por meio de anúncios e reestruturação de banheiros, os empregadores das fábricas durante a Segunda Guerra Mundial encorajaram as mulheres a usar produtos menstruais para “se tornarem mais fortes” e continuarem a trabalhar durante a menstruação. (Isso apesar do questionamento generalizado da "estabilidade emocional" das mulheres – as pilotos eram encorajadas a não trabalhar durante "aquela época do mês").
O início da comercialização em massa dos produtos para menstruação significou que as mulheres podiam ter maior controle de sua autonomia, permitindo-lhes trabalhar e participar de atividades fora de casa de uma forma que não haviam sido capazes antes (3).
Décadas de 1930 a 1940: “A Era Kotex”: atraente para o mercado geral
Enquanto os panos menstruais caseiros ainda eram usados em toda a Europa até os anos 1940, os anos 1930 trouxeram um surto de engenhosidade nas ofertas de produtos menstruais (1). Os absorventes internos descartáveis modernos foram patenteados em 1933 com o nome de “Tampax.”
Devido a preocupações com higiene por conta da proximidade dos absorventes às bactérias fecais, os absorventes internos geralmente eram considerados pela comunidade médica como uma alternativa mais saudável (4). Dr. Mary Barton, uma médica inglesa da época, concordou em uma correspondência publicada no British Medical Journal em 1942 (11). Ela iniciou o artigo: “Como mulher e médica, sinto que não posso permitir que a abordagem sobre esse assunto passe sem comentários.” (pg. 709). Ela abordou preocupações de que os absorventes internos seriam “inadequados” e apontou que não causavam escoriações e furúnculos na vulva como os absorventes de almofada causavam em muitas de suas pacientes. Ela admitiu que deixá-los dentro por muito tempo pode levar à infecção (11).
Entrevistas médicas e de pesquisa de mercado descobriram que a maioria das mulheres não voltou aos absorventes externos/de almofada depois que aprenderam como colocar os absorventes internos corretamente. Mas muitas comunidades hesitaram em adotar os absorventes internos por preocupações morais sobre virgindade, masturbação e seu potencial para atuar como contraceptivo (1). Dr. Barton incluiu isso em seu relatório, mencionando que os profissionais de saúde devem tomar nota das preocupações pessoais de cada indivíduo em relação ao potencial de ruptura do hímen (11). Tendo dito isso, ela era uma forte defensora do aumento das opções para mulheres, afirmando:
Certamente não mantemos nossa feminilidade às custas da incapacidade de tornar o ciclo menstrual o mais confortável e não evidente possível. Acredito que a feminilidade é uma atitude mental consistente com o conhecimento e a experiência, e deve recusar apenas as "melhorias" que prejudicam nossa receptividade ou frustram nossas tentativas de promover saúde e felicidade (11).
Mas como as pessoas continuaram relutantes aos absorventes internos, as inovações nos absorventes externos continuaram a florescer. Mary Beatrice Davidson Kenner, uma inventora afro-americana, patenteou o cinto sanitário em 1956, o primeiro produto com um adesivo para manter o absorvente externo no lugar (5).
Em 1927, a Johnson & Johnson contratou a psicóloga pioneira Lillian Gilbreth para realizar um estudo sobre comercialização de absorventes íntimos (6). Ela entrevistou milhares de mulheres nos EUA, que responderam a perguntas sobre tamanho e ajuste (eles costumavam ser muito grandes, com bordas inflexíveis) e preferências (a maioria das mulheres queria embalagens menores e mais discretas).. Ela inspirou uma nova onda de campanhas publicitárias de muito sucesso focadas em permitir que meninas mantivessem sua inocência, por assim dizer, separando a menstruação do sexo e da reprodução. Os anúncios apresentavam os produtos menstruais como permitindo que meninas participassem de atividades esportivas e recreativas, ajudando a reforçar a ideia de meninas adolescentes como jovens brincalhonas (3). Essa estratégia também foi usada por campanhas de absorventes internos na esperança de superar as preocupações morais que as pessoas ainda tinham sobre eles.
Década de 1950 a 1990—A era moderna: Tragédia, ativismo e regulamentação
As modificações criativas nos produtos menstruais continuaram na era da paz, amor e rock and roll. Os primeiros absorventes sem cinto foram lançados em 1972, inspirando variações como fluxo intenso, fluxo leve e mini-absorventes. Na década de 1980, versões modernas de absorventes largos e absorventes com abas chegaram ao mercado.
A popularidade dos absorventes internos continuou a crescer. Mas uma grande preocupação de saúde com relação a eles virou notícia quando mais de 5.000 casos de Síndrome do Choque Tóxico (SCT) foram relatados entre 1979 e 1996 (7). A maioria dos casos estava ligada a uma marca específica de absorvente interno e a materiais específicos que já não estão mais no mercado. Embora esses sustos com a saúde não tenham desencorajado mulheres a usarem os produtos, eles trouxeram à luz a falta de regulamentação governamental sobre a segurança e a composição dos produtos menstruais. Isso leva a um maior foco em alternativas mais “naturais”.
Em 1956, Leona Chalmers atualizou o copo menstrual, utilizando materiais mais macios para deixar o produto mais parecido com o que usamos hoje (5).
Os primeiros copos menstruais eram feitos de alumínio ou borracha dura; agora, eles são normalmente feitos de silicone (2).
Algumas opções mais extremas foram apresentadas, incluindo um pó que poderia ser inserido na vagina com o objetivo de neutralizar o pH do sangue menstrual e prevenir o crescimento bacteriano (3). Embora essas medidas mais criativas não tenham decolado, copos menstruais reutilizáveis, esponjas menstruais e opções biodegradáveis se tornaram mais populares ao longo da década de 1970, à medida que os movimentos feministas e ambientalistas de segunda onda cresciam (3).
Os mini-absorventes foram um grande sucesso quando chegaram ao mercado, inspirando até mulheres a enviarem cartas declarando sua apreciação pois finalmente estavam se sentindo confortáveis (1). Como o movimento feminista incentivou as mulheres a se sentirem confortáveis com seus corpos, o conceito de sangramento livre também foi adotado por mulheres que se ressentiam pelo fato de ter de se esconder e sentir vergonha de suas menstruações (embora isso não tenha se tornado popular) (3).
O desenvolvimento mais revolucionário no manejo da menstruação ocorreu em 1971, quando uma clínica de autoajuda para mulheres introduziu o "método de extração" (3). Essa invenção surgiu de pesquisas sobre abortos seguros (8). As mulheres usavam um dispositivo de sucção para evacuar todo o conteúdo do útero, encurtando as menstruações de cerca de 5 dias para apenas alguns minutos. O procedimento foi visto como uma bênção para atletas e pessoas com menstruações especialmente dolorosas, e os inventores patentearam ferramentas mais seguras e eficazes ao longo da década de 1970 (5). Apesar dos benefícios, as pesquisas sobre a segurança desse procedimento foram restritas, em parte por sua associação com abortos em estágio precoce (5). O método requer um médico para realizar o procedimento, tornando-o potencialmente caro (3). Esse aspecto somado à falta de dados médicos investigando os potenciais efeitos de longo prazo impediu que se tornasse popular.
Da década de 2000 aos dias atuais: onde estamos agora?
Hoje há uma infinidade de opções para lidar com a menstruação, de calcinhas menstruais a copos menstruais, absorventes orgânicos internos e externos e, é claro, os absorventes padrão internos e externos. Em 2000, mais de 80% das mulheres usavam absorventes internos com absorventes externos e protetores de calcinha ao mesmo tempo (9). Até mesmo as opções de tecido dos anos 1800 estão voltando atualizadas, com cada vez mais opções de calcinhas menstruais antimicrobianas chegando ao mercado.
À medida que cresce a preocupação com o impacto ambiental de produtos descartáveis, muitas pessoas estão retornando aos métodos orgânicos reutilizáveis, como a esponja do mar menstrual e os copos de silicone (embora ambos tenham sido associados a casos de SCT (10, 12, 13). À medida que as pessoas com menstruação aprendem mais sobre as opções que temos, podemos tomar para si os cuidados com a nossa saúde, tomando as melhores decisões para nosso corpo e nossa vida.
Enquanto as mulheres sempre estiveram intimamente envolvidas com o desenvolvimento de produtos menstruais, o empreendedorismo feminino continua a crescer nesse mercado.
Produtos e campanhas publicitárias também estão mudando para se concentrar mais em todos os corpos que menstruam, incluindo homens trans e pessoas não-binárias.
Desde cedo, a expectativa (ironicamente) era que, ao esconder a menstruação, as mulheres fossem vistas como mais femininas, higiênicas e capazes. Estratégias baseadas no medo da “descoberta” continuam a ser empregadas pelos comerciantes ainda hoje, desde produtos perfumados a embalagens silenciosas e discretas. Mas esses anúncios também mudaram para uma mensagem mais feminista, retratando os absorventes internos como libertadores, permitindo que as mulheres assumam o controle de seus corpos e participem de áreas da sociedade que antes não as recebiam (3).
A história nos mostra que os avanços nas tecnologias menstruais tiveram impactos significativos na saúde das mulheres e nas suas liberdades pessoais e profissionais. De patentes a protótipos, as tecnologias menstruais têm aberto portas para as mulheres e pessoas com ciclo ao longo da história.
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