Por que mulheres e pessoas com ciclos são sub-representadas nas pesquisas de saúde?
Como a ciência médica pode atender melhor às mulheres e às pessoas com ciclos?
*Tradução: Kenya Sade
Coisas importantes a saber:
Mulheres e pessoas com ciclos têm sido historicamente excluídas da pesquisa médica
Isso comprometeu a qualidade do atendimento médico disponível para mulheres e pessoas com ciclos
Foram feitos esforços para incluir mulheres e pessoas com ciclos em pesquisas na área da saúde, mas, devido à sub-representação histórica, agora sabemos muito menos sobre como as doenças afetam mulheres e pessoas com ciclos em comparação com os homens.
A exclusão de mulheres e pessoas com ciclos de estudos de pesquisas gerou uma escassez de informações sobre suas saúdes. Essa exclusão é resultado de forças sistêmicas, históricas, culturais que estigmatizam a participação das mulheres nos processos científicos.
Felizmente, o mundo está mudando. Nas últimas décadas, houve uma mudança significativa nas atitudes e requisitos sobre quem deve ser incluído nos estudos clínicos, em pesquisas que beneficiam mulheres, pessoas com ciclos e outros grupos historicamente marginalizados (1).
Por que as mulheres e pessoas com ciclos foram excluídas das pesquisas em saúde?
Na primeira metade do século 20, a regulamentação das pesquisas era limitada. Dos anos 1940 aos anos 1970, os medicamentos talidomida e dietilestilbestrol eram prescritos para mulheres que tinham diferentes doenças, embora os efeitos negativos dessa medicação nos bebês de mulheres grávidas não tivessem sido testados antes de sua aprovação para uso público (2,3,4). Tragicamente, milhares de mulheres que tomaram a talidomida durante a gravidez deram à luz a bebês com graves deformidades nos membros (4,5). Em resposta, países em todo o mundo começaram a regulamentar mais estritamente a forma como os medicamentos eram estudados, aprovados, prescritos e comercializados, a fim de proteger melhor a população (6). Nos EUA, parte desses padrões incluía a exclusão de todas as mulheres em idade reprodutiva da maioria das pesquisas de drogas em estágio inicial (6). Nas décadas seguintes, os ensaios clínicos baseavam-se frequentemente em dados coletados predominantemente de homens brancos (8).
Uma vez que as mulheres não eram representadas em pesquisas médicas importantes, a qualidade do atendimento a saúde disponíveis a elas estava comprometido (9). Houve algumas exceções, como os estudos sobre a eficácia dos contraceptivos hormonais na década de 1970 e 1980, alguns dos quais foram liderados por mulheres cientistas (10). No entanto, pesquisas sobre problemas de saúde que afetam todos os sexos, como hipertensão e diabetes, tinham predominantemente como sujeitos de estudo os homens. Como resultado, os homens passaram a ser percebidos como o "padrão ouro" dos sujeitos de pesquisa por cientistas (11), com a falsa crença de que os corpos das mulheres se comportariam de forma semelhante aos corpos dos homens em ensaios clínicos (8). Além disso, alguns cientistas acreditavam que os corpos das mulheres eram muito complexos e caros para serem estudados (8). Incluir mulheres na pesquisa significaria que os cientistas teriam que levar em consideração fatores como o ciclo menstrual e a possibilidade de gravidez. Em vez disso, os cientistas da época optaram por ignorar essas diferenças fundamentais.
A preocupação do público com a falta de dados sobre como as medicações afetam as mulheres e a crença de que as mulheres deveriam ser capazes de escolher se queriam participar da pesquisa estimulou o crescente ativismo em prol da pesquisa inclusiva. Nos EUA, o Movimento de Saúde da Mulher encorajou as mulheres a defenderem sua saúde e acabou influenciando o desenvolvimento de uma força tarefa federal sobre Questões de Saúde da Mulher, em 1983, que recomendava que mais pesquisas fossem feitas na área da saúde da mulher (12). E em 1993, o National Institutes of Health determinou que qualquer estudo de pesquisa clínica que recebesse financiamento federal incluísse mulheres e minorias (13). No Canadá, a crescente preocupação com o déficit de pesquisas sobre câncer de mama e câncer ginecológico levou ao desenvolvimento do "Documento de Orientação Canadense sobre a Inclusão de Mulheres em Ensaios Clínicos (14)", que recomenda a inclusão de mulheres em todos os estágios da pesquisa , para que os cientistas possam entender o impacto de novas drogas em sexos específicos (14).
No início da década de 2010, as mulheres representavam 45% dos participantes em testes de estágio intermediário e final de novos medicamentos nos EUA (15). Entretanto, a inclusão de mulheres ainda varia muito, dependendo do campo de pesquisa. As mulheres ainda estão sub-representadas em pesquisas sobre doenças cardíacas e câncer, doenças que são as principais causas de morte de mulheres (16). Na Europa, os ensaios clínicos costumavam se concentrar principalmente nos homens até a década de 1990 (17). No entanto, as coisas mudaram quando a União Europeia aprovou uma lei exigindo que os pesquisadores identificassem as diferenças entre homens e mulheres nos ensaios clínicos (18). Posteriormente, em 2016, a União Europeia introduziu um novo regulamento afirmando que os estudos clínicos devem incluir as populações que provavelmente usarão o produto médico que está sendo testado (19). Não é apenas a União Europeia que aborda a questão do viés de gênero na pesquisa clínica, mas também órgãos nacionais. O Comitê de Ética da Universidade Médica de Viena divulgou diretrizes que recomendam que ambos os sexos biológicos sejam incluídos em pesquisas médicas e comportamentais (20).
Um estudo realizado em 2019 constatou que as mulheres, especialmente as grávidas e as idosas, continuam sendo sub-representadas nos estudos clínicos (14). Recentemente, houve um debate sobre a inclusão de grávidas e lactantes em pesquisas clínicas (21). Muitos cientistas e partes interessadas envolvidas no processo acreditam que é importante incluir esses grupos para entender melhor suas necessidades, melhorar seus cuidados com a saúde e oferecer terapias seguras e baseadas em evidências (22). Eles acreditam que esses grupos não devem ser considerados "vulneráveis" e automaticamente excluídos da pesquisa (23). Em vez disso, eles devem ser vistos como "medicamente complexos" e devem ser exploradas maneiras de envolvê-los ativamente na pesquisa médica (24). Em 2016, a União Europeia publicou regulamentos para a inclusão de pessoas grávidas e lactantes em pesquisas clínicas, que definem como incluir esses grupos em pesquisas e, ao mesmo tempo, garantir sua segurança (25).
É importante observar que, mesmo quando mulheres ou pessoas com ciclos são incluídas em estudos clínicos, os pesquisadores frequentemente deixam de analisar e relatar as diferenças específicas do sexo. Essa prática dificulta a compreensão de como o sexo pode influenciar a saúde e a doença (26). Em geral, é aceito que o sexo biológico de uma pessoa pode afetar o desempenho de um medicamento. Os efeitos colaterais que ela experimenta também podem ser diferentes. Ignorar essas diferenças ao realizar pesquisas médicas ou ensaios clínicos pode resultar em conclusões incorretas ou incompletas sobre a eficácia ou a segurança de um medicamento (27).
Por que é importante incluir as mulheres e pessoas com ciclos na pesquisa?
Pelo fato de mulheres e pessoas com ciclos terem sido sub-representadas nas pesquisas de saúde, sabemos muito menos sobre como as doenças afetam mulheres e pessoas com ciclos, em comparação com os homens, o que pode levar a consequências perigosas (28).
Embora as doenças cardíacas sejam a principal causa de morte entre homens e mulheres, a maioria das pesquisas sobre doenças cardíacas foi testado em homens (8,29). Como resultado, pesquisas anteriores sobre doenças cardíacas omitiram as principais diferenças entre os sexos. Mulheres, por exemplo, têm mais incidentes de doenças cardíacas do que se pensava, e morrem de doenças cardíacas com mais freqüência do que os homens (29.30). A pesquisa também omite diferenças importantes em como os ataques cardíacos se apresentam nas mulheres: enquanto homens e mulheres sentem dor no peito, as mulheres são mais propensas a relatar dor com irradiação para as costas, pescoço ou mandíbula, bem como dor no braço esquerdo (31). A falha em compreender os sintomas de ataque cardíaco nas mulheres e pessoas com ciclos as coloca em risco de serem mal diagnosticadas ou tratadas incorretamente.
Outra área de interesse são as doenças autoimunes, em que as diferenças biológicas entre os sexos desempenham um papel fundamental (32). O desenvolvimento de doenças autoimunes é significativamente influenciado pelo sexo biológico. Portanto, o sexo deve ser sempre levado em consideração em estudos que visam compreender as doenças autoimunes (33).
Os preconceitos de gênero e sexo na pesquisa também afetaram o estudo e o desenvolvimento de medicamentos. Por décadas, as diretrizes e padrões de saúde não diferenciavam os sexos e não abordavam como os medicamentos afetavam os corpos femininos (9,34,35), embora as mulheres tenham características fisiológicas e anatômicas distintas dos homens, como diferenças na massa corporal, função dos órgãos e níveis hormonais (36). Um homem e uma mulher podem receber a mesma dose de um medicamento, mas diferenças na composição e função corporal podem levar a efeitos diferentes em diferentes corpos (36,37,38).
As disparidades de gênero e sexo na pesquisa também levam à falta de recursos e informações sobre a saúde da mulher. A alfabetização inadequada em saúde está relacionada a péssimos resultados de saúde e alta mortalidade (39). A educação em saúde sexual e reprodutiva é um componente necessário para melhorar a vida de mulheres e pessoas com ciclos menstruais. Por exemplo, sabemos que a alfabetização em saúde reprodutiva leva à redução de ISTs (infecções sexualmente transmissíveis), gravidezes indesejada e mortalidade materna (40,41).
Em direção a um futuro mais inclusivo
As pesquisas que incluem mulheres e pessoas com ciclos evoluíram muito desde o século XX. De acordo com dados da FDA, a representação de mulheres em estudos clínicos tem aumentado ao longo dos anos (42). Esses números mostram que estamos no caminho certo em direção à inclusão. O que ainda precisa ser melhorado é a inclusão de mulheres de cor e pessoas de cor em geral, pois elas continuam sub-representadas na pesquisa clínica (28). Nos últimos anos, houve um aumento na defesa e na pesquisa em relação às mulheres e às pessoas com ciclos. Organizações históricas como a Women's Health Initiative e a National Women's Health Network continuam a lutar pelo direito de mulheres e pessoas com ciclos terem acesso a produtos menstruais, controle de natalidade, exames de saúde e informações sobre saúde.
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