Como é feito um exame ginecológico?
Entenda o que e como ginecologistas examinam seu corpo.
O aprendizado em medicina por vezes requer cadáveres, manequins e seres humanos. Homens, mulheres e crianças que diariamente nos ajudam a desvendar mistérios que depois se tornam diagnósticos quem por intelecto, instinto ou intuição, nos fazem tratar pacientes. Acredito que durante essa aprendizagem cometemos exageros, por vezes examinamos demais, além do necessário, para melhorar nossa acurácia como médicos.
Na ginecologia e na obstetrícia, o aprendizado pode ser ainda mais constrangedor e se requer mais cuidado, pois o corpo feminino é exposto de forma mais íntima. Como médica ginecologista e professora, tive que entender os limites desse aprendizado.
No Brasil, mulheres têm sido vítimas de constrangimentos, abusos físicos e sexuais por médicos homens, causando muito desconforto e vergonha para a classe médica (1-3).
Somos formados médicos(as) para cuidar, prevenir e tratar quando possível. Em ginecologia e obstetrícia, a relação médico-paciente deve ser gentil e acolhedora, sem abuso do corpo feminino. Dito isso, achei interessante descrever o exame ginecológico, com informação clara e estruturada. Talvez, já sabendo o que ocorre no exame ginecológico, você pode se preparar melhor para o exame ao se sentir mais confiante sobre o que te espera.
Como é o exame físico ginecológico?
Antigamente, a recomendação era que se fizesse o exame completo em todas as consultas de rotina (4). Porém, quando se está num atendimento eventual ou de emergência, pode-se direcionar o exame para o local da queixa ginecológica—não há necessidade de se realizar exame pélvico (especular e toque vaginal). Por exemplo, você sente dor na mama, logo se examinariam apenas as mamas; se há queixa de corrimento, pode-se fazer apenas o exame especular (5).
Com o objetivo de explicar o exame ginecológico, será descrito a seguir o passo-a-passo técnico do exame sob o ponto de vista de quem será examinado, ou seja, a mulher e pessoas que tem sistema reprodutor feminino.
De forma acadêmica, podemos dividir o exame ginecológico completo por partes:
iniciando-se pela avaliação das mamas,
seguido do exame do abdome,
da avaliação da genitália externa (a vulva),
e por fim realiza-se o exame especular e o toque vaginal (ambos exames da genitália interna, vagina, útero e ovários).
O exame ginecológico pode ser feito por médico(a), não necessariamente especialista, já que médico(a) generalista também é responsável pelo atendimento de mulheres na atenção primária de saúde (no posto de saúde).
Durante o exame ginecológico
Deve-se retirar as roupas, incluindo as íntimas, e colocar um avental com abertura para frente, e um lençol costuma ser utilizado para ajudar a cobrir as partes do corpo que não necessitam ser expostas.
É recomendado que haja sempre uma enfermeira ou técnica durante a realização do exame ginecológico. Todos os passos do exame devem ser informados antes de ser executados.
Antes do exame ginecológico propriamente dito, é realizado o exame geral, onde se observa:
estado geral,
pressão arterial,
e pulso (que também pode ser feito por enfermeira).
O exame pode causar incômodo, então, em qualquer etapa, diga a(o) médica(o) ou enfermeira(o) se você se sentir desconfortável! Peça, por exemplo, para cobrir partes do exames já finalizados - não se intimide!
Exame das mamas
O exame das mamas tem início com você sentada(o) na borda da mesa/maca de exame, com tórax desnudo e mãos apoiadas no joelho. É feito uma inspeção nas mamas, para o(a) médico(a) observar assimetria, manchas ou alguma alteração.
Em seguida, solicita-se que seus braços sejam elevados para contrair os músculos peitorais maiores. Pode-se solicitar que se coloque as mãos na cintura e se projete os cotovelos para a frente, e para se inclinar o tronco para frente, deixando as mamas pêndulas. O objetivo é ver se há abaulamentos ou retrações visíveis durante o movimento.
Ainda sentada, a(o) paciente recoloca o avental e são examinadas as axilas a fim de procurar gânglios ou linfonodos palpáveis. Os gânglios linfáticos são responsáveis por armazenar nossas células de defesa e estão espalhados pelo corpo. Quando há algum problema nas mamas, nos braços, por exemplo, pode-se palpar esses gânglios, e em casos de câncer, eles mudam de consistência e características, ficam duros e fixos.
Posteriormente, as mamas continuam sendo examinadas com você deitada(o), e o(a) médico(a) solicita que se coloque as mãos atrás da nuca, para assim poder realizar a palpação das mamas. Com duas mãos fazendo movimentos radiais (“de fora para dentro”), é feita a palpação de cada mama, utilizando duas mãos aproximadas em concha, dedilhando durante o movimento radial, com a finalidade de sentir a consistência e pesquisar se há presença ou não de nódulos mamários. Finaliza-se o exame das mamas com uma expressão manual dos mamilos para ver se há saída de secreção.
A presença de nódulos na(s) mama(s) no exame físico ginecológico é comum e geralmente, benigno, porém hoje em dia é recomendado que essa avaliação seja feita por profissional capacitado. Essa avaliação clínica detalhada direciona a investigação do profissional que solicita exames complementares para lesões suspeitas de malignidade (6).
A saída de secreção pelos mamilos espontânea ou ao serem apertados não é comum em quem não está grávida. Quando encontrada no exame das mamas, requer investigação, especialmente se houver saída de sangue.
Exame do abdome
Terminado o exame das mamas, com você ainda deitada(o), faz-se a palpação do abdome observa se há dor ou massas palpáveis. O exame do abdome faz parte do exame geral e costuma ser avaliado na consulta ginecológica, pois tem correlação com sintomas de causa do aparelho reprodutor feminino como útero e ovários.
A mesa/maca ginecológica tem perneiras, para que você coloque os joelhos ou calcanhares, em posição deitada, com as pernas afastadas e, dessa forma, exponha a genitália para exame. Como não há mais o que examinar, mamas e abdômen, seu corpo deve ser cobertos com avental e lençol. Preste atenção e demande que seu corpo seja coberto ao fim dos exames, se necessário.
Exame da genitália
O exame da genitália é efeito através da inspeção da vulva (genitália externa), exame especular e toque vaginal, por alguns segundos. É preciso que o(a) médico(a) afaste os pequenos lábios e grandes lábios e observe se há lesões, manchas ou prolapsos.
Quando há queixa de incontinência urinária, sensação de “peso”, que há algo saindo/escorrendo pela vagina, pode ser o caso de um “prolapso pélvico”. Isso acontece quando há enfraquecimento do assoalho pélvico, uma fáscia que sustenta os órgãos pélvicos (útero, bexiga, reto) (7).
Para realizar o exame especular, os pequenos lábios são afastados e abertos para expor a abertura da vagina. O espéculo de Collins é um aparelho de metal ou plástico que é introduzido na vagina e aberto para que se possa ver o interior da vagina e colo do útero (porção mais inferior do útero, onde é coletado material para “exame de Papanicolau”). Este momento é desconfortável e pode ser doloroso se você estiver com a musculatura das coxas contraídas ou quando há pouco conteúdo vaginal, como ocorre nas mulheres após a menopausa.
Depois do exame especular, é retirado o espéculo da vagina e se faz um toque vaginal. O(a) médico(a) fica em pé de frente para você, introduz um ou dois dedos na vagina e a outra mão é posicionada sobre o abdome, sem luva, com o objetivo de observar elasticidade da vagina, do colo de útero, se há dor à palpação, tamanho, posição e consistência do útero, além da observação aos anexos (ovários e trompas). Terminado o toque vaginal, é terminado o exame da genitália.
Uma forma de empoderar a(o) paciente é o conhecimento. Por vezes, a(o) médico pode oferecer um espelho para que você visualize a vulva e a do espéculo e se sinta mais confortável com que está acontecendo no exame.
No ambiente de ensino, quando estou com alunos e residentes, muitas vezes fazemos exames ginecológicos completos seguindo a rotina de antigamente. Algumas(uns) paciente(s), quando dizemos que o exame pélvico pode ser feito só no ano seguinte, sentem-se inseguras e negligenciadas por que as novas recomendações parecem absurdas para quem teve o exame anualmente uma vida inteira.
Mas são adaptações que acredito no futuro serão melhores aceitas. Não há evidências suficientes para dizer se é melhor a(o) paciente ter exame ginecológico em todas as consultas de rotina. Acredito que a tendência será exame completo numa primeira consulta e depois, o exame ser direcionado a queixa ou exames de prevenção para câncer (por exemplo, “exame de papanicolau”), ou seja, o motivo da consulta.