Por que devemos cuidar do assoalho pélvico?
A musculatura pélvica deve estar em dia, pois sustenta bexiga, reto e útero.
Quando estava na faculdade, lá nos idos dos anos 2000, uma colega apareceu com um livrinho de truques sexuais, basicamente uma bíblia do sexo hétero que nos ensinava como agradar um homem na cama.
O pequeno manual de capa amarela vinha repleto de dicas para fazer sexo oral e levar o parceiro à lua, posições que iam fazer o cônjuge delirar de prazer e até instruções de como massagear o períneo do seu par sem melindrar sua masculinidade. Inspirada pelo livrinho, uma das nossas colegas foi até fazer um curso de striptease e pompoarismo.
Voltou cheia de ideias mirabolantes sobre lingeries exóticas com plumas, rendas e pedrarias, e umas bolinhas coloridas presas a uma corda feitas para exercitar os músculos daquilo que na época timidamente chamávamos de “dita cuja”. As bolinhas que ela trouxe eram as ben-wa, de origem tailandesa usadas para exercícios de fortalecimento dos anéis da vagina e músculos do assoalho pélvico.
Intrigadas, todas aprendemos as praticar os tais exercícios que faziam a “perseguida” apertar o pênis do parceiro e levá-lo ao delírio orgásmico. (Um parêntese: por que sempre foi mais fácil dizer os nomes do órgão sexual masculino em voz alta e a vagina sempre ganha eufemismos? Fica o questionamento.).
O que mal percebíamos naquela época é que, embora bastante instrutivos, os truques e exercícios eram sempre voltados para a satisfação sexual do parceiro, enquanto o nosso prazer e todo o potencial mágico e transcendental da vulva como um todo ficava sempre em segundo plano.
Existe uma miríade de coisas que desconhecemos sobre a própria saúde e sobre o funcionamento do próprio corpo e da sexualidade. Uma dessas coisas é o assoalho pélvico, a musculatura que sustenta a pelve. Para este artigo, entrevistamos as fisioterapeutas brasileiras especializadas em assoalho pélvico Laura Dalla Negra e Annyeli Texeira Nunes, a educadora sexual portuguesa Carmo Gê Pereira e a jornalista portuguesa Inês Bernardo, que, depois de uma episiotomia (cirurgia pélvica), precisou buscar ajuda profissional.
O que é o assoalho pélvico?
O assoalho pélvico (em Portugal: pavimento pélvico) é o conjunto de músculos, ligamentos e fáscias que sustentam as vísceras pélvicas (1). Ele dá suporte à bexiga, ao reto, ao útero (no caso do corpo feminino) e à próstata (no corpo masculino). O assoalho pélvico funciona como uma espécie de “tipoia” para o conteúdo pélvico e abdominal (1).
Quando o assoalho pélvico é forte, os órgãos estão bem apoiados e posicionados firmemente no lugar. Pense nos móveis pesados da sua cozinha, bem assentados num lindo piso de porcelanato, em vez de estarem em um piso feito de travesseiros.
O assoalho pélvico costuma ser forte quando somos jovens e enfraquece à medida que envelhecemos (2).
Algumas das coisas que podem enfraquecer o assoalho pélvico são:
o parto vaginal,
a menopausa,
determinadas cirurgias,
ganho de peso,
levantamento de peso,
tosse crônica,
pressão devido à constipação (2).
Um assoalho pélvico fraco pode fazer com que seus órgãos “caiam”. Esse movimento pode levar à incontinência: problemas para controlar a bexiga ou, mais raramente, o intestino. Também pode levar a uma condição comum chamada “prolapso pélvico”, em que um ou mais órgãos pélvicos começam a “escorregar” dentro da cavidade pélvica (2).
O prolapso leve pode não causar sintomas em todas as pessoas, mas em outras podem acontecer situações como abaulamento vaginal, dor e desconforto sexual e essas circunstâncias podem exigir tratamento.
Certas medidas e exercícios preventivos demonstraram ser bastante úteis para evitar (ou melhorar) os sintomas relacionados ao enfraquecimento do assoalho pélvico e para ajudar a evitar tratamentos como medicamentos ou cirurgias no futuro (2).
Laura Dalla Negra esclarece que “o assoalho pélvico está relacionado com outras partes do corpo, a mais óbvia é o abdômen, mas ele ainda se relaciona com os glúteos, quadril, joelho, pés, respiração, boca e mão. Ele funciona em todo aumento de pressão intra abdominal, ou seja, o tempo todo ele está sendo exigido a contrair ou relaxar”. Segundo a fisioterapeuta,
“todas as mulheres podem se beneficiar com a fisioterapia para o assoalho pélvico, mesmo sem uma queixa, e sim para ter mais consciência da musculatura”.
Assoalho pélvico e sexualidade
Prossegue a fisioterapeuta: "De acordo com uma pesquisa brasileira, 56% das mulheres não conseguem atingir o orgasmo. Além disso, 40% das brasileiras não se masturbam. Outro estudo revelou resultados ainda mais chocantes: 67% das mulheres já haviam fingido orgasmos. E sabe quais eram os principais motivos? Fazer o parceiro se sentir bem (28%), seguido pela vontade de acabar com o sexo logo (17%), já que sabiam que não atingiriam o orgasmo. Ou seja, tem muita falta de informação em relação ao próprio corpo, precisamos começar a falar desde de cedo para meninas e mulheres sobre educação sexual”.
Não participei dessa pesquisa, mas certamente responderia que, sim, já fingi orgasmos por todas essas questões supracitadas e ainda de quebra mais outra: evitar o desconforto de dizer “não vai rolar, não vou gozar”. Hoje em dia já não finjo orgasmos, mas constantemente me pergunto: por que o orgasmo como um fim ainda é o principal objetivo das relações sexuais? Se eu não gozar não conta?
A educadora sexual portuguesa Carmo Gê Pereira trata do assoalho pélvico em particular desde 2011, ministrando workshops de pompoarismo. Ela acredita que a percepção e os exercícios para a região podem ter um efeito imediato na saúde e autoestima das pessoas. Segundo Carmo, “com a consciência pélvica ganhamos também consciência a nível emocional e sexual, percebemos onde se alojam as nossas ansiedades, conseguimos estar mais atentas ao potencial de prazer genital. E com mais prazer, mais auto-amor virá”.
Lembro da minha colega da faculdade e da nossa reação desconfiada às bolinhas de pompoar. Lembro perfeitamente de sentir vergonha e alguma curiosidade, mas também de acreditar que tudo aquilo tinha um fim: a satisfação do meu namorado na época. Sequer me passava pela cabeça a complexidade do meu corpo e tudo aquilo que eu poderia sentir e desfrutar.
Ainda segundo Carmo, o pompoarismo não está só ligado à sexualidade. Ele é “um excelente primeiro passo na descoberta do corpo. A nível de saúde em geral tem vários benefícios, como a prevenção de prolapsos uterinos, da bexiga e do recto, de incontinência urinária, e a melhoria da circulação sanguínea na zona pélvica e vaginal com os benefícios acrescidos que traz”.
Assoalho pélvico e gravidez
As conversas que tenho hoje em dia com amigas já não são como aquelas que tinha na faculdade, muitas delas são mais conscientes sobre o próprio corpo e como sentem prazer. Algumas foram mães nos últimos anos e estão às voltas com as mudanças todas que a maternidade traz. Todo um universo particular que vira de cabeça para baixo, inclusive o próprio corpo que, segundo contam, às vezes parece que virou literalmente do avesso.
A jornalista portuguesa Inês Bernardo, mãe há cerca de um ano, conta que já tinha conhecimento da região antes de engravidar, embora só tenha usado/ouvido o termo "pavimento pélvico" após a gravidez: "antes de engravidar eu já tinha buscado informações, mas sempre na óptica de como os exercícios disponíveis (kegels, principalmente) poderiam ajudar a actividade sexual. Após a gravidez percebi que toda essa zona e esses músculos também interessam no desenvolvimento do parto e na recuperação”.
“Sofri uma episiotomia durante o parto e fiquei com dor no sítio dos pontos, o que torna a relação sexual mais tensa, menos espontânea e, muitas vezes, desagradável”, conta Inês, que buscou ajuda profissional para sanar sua vida sexual. “A vida sexual deixou de ter espontaneidade ou, se tem, tem de ser muito auxiliada por lubrificantes – que também não são garantia de sucesso. Sinto-me mais contida e menos entregue ao momento. A dor é uma bola de neve. Já a antecipamos portanto, é dificílimo senão impossível, abstrairmo-nos dela”.
Conforme Dalla Negra nos explica, as dores durante a relação sexual têm componentes físicos e emocionais. "Apesar da mulher apresentar o desejo em ser penetrada, a ansiedade fóbica antes da penetração pode levar a contrações involuntárias dos músculos da pelve, dos adutores e de todo o corpo. Essa disfunção é um forte fator preditivo de problemas sociais, psicológicos, psiquiátricos, ginecológicos, psicanalíticos e sexológicos”.
Por que se consultar com especialistas em assoalho pélvico?
O primeiro passo para o sucesso do tratamento de reeducação perianal, além da avaliação funcional do aparelho pélvico é a conscientização por parte da paciente de suas estruturas pélvicas. A relutância em procurar ajuda vem do constrangimento e do desconhecimento dessa musculatura e da importância de se consultar com profissionais da área (1).
A fisioterapeuta Annyeli Teixeira Nunes lista as etapas de uma consulta de fisioterapia pélvica:
Avaliação inicial, para traçar objetivos e tratamento, como: primeira menstruação, gestação, parto, sexualidade, função miccional, função intestinal e relação sexual.
Avaliação pratica no corpo da paciente: abdômen, pernas, e região intima (vulva/vagina).
Avaliações extras como liberação de pontos dolorosos, neuromodulação e reforço muscular.
Também perguntei quais são os exercícios mais comuns que uma pessoa pode fazer em casa depois de uma consulta e um diagnóstico, além dos acessórios que ela recomenda para auxiliar nesses exercícios. “Os exercícios para o fortalecimento dos MAP (músculos do assoalho pélvico) podem ser feitos a partir de contração e relaxamento, contração com sustentação média, contração e sustentação alta. Podemos fazer também associando com movimento, agachamento, por exemplo, em casos onde a paciente perde urina na academia”. No caso dos acessórios, “As pacientes costumam gostar das bolinhas de ben-wa, é interessante para elas treinarem em casa e ainda mais com contato visual”.
Profissionais e especialistas em assoalho pélvico podem avaliar sua fisiologia e suas necessidades, seja em caso diversos como pré ou pós parto, dores nas relações sexuais e até mesmo no fortalecimento da autoestima, já que conhecer e cuidar bem do próprio corpo deve ser um dos pilares para o nosso bem estar.
Você pode seguir Laura Dalla Negra, Annyeli Teixeira Nunes e Carmo Gê Pereira no Instagram e receber doses diárias de informações sobre o assoalho pélvico e muitos outros temas ligados à saúde da mulher e pessoas com vagina.
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