Uma breve história do vibrador
Foi Cleópatra quem inventou o vibrador?
*Tradução: Joana de Sousa
Os vibradores são populares: mais de 52% das mulheres nos Estados Unidos já usaram um, e muitos homens também os usam (1-3). Mas de onde eles vieram?
Você pode ter ouvido a história de como um médico inventou o vibrador como um tratamento para a histeria. Desculpe ser desmancha prazeres, mas não é bem assim que aconteceu. Há muitos mitos e desinformação em torno da história dos vibradores no Ocidente, começando com Cleópatra.
Foi Cleópatra quem inventou o vibrador?
Não é bem assim.
Em sua Enciclopédia de Práticas Sexuais Incomuns, de 1992, Brenda Love afirmou que Cleópatra (69-30 a.C.) usava uma abóbora cheia de abelhas para estimular seus genitais, semelhante a um vibrador (4). Essa ideia foi repetida e reimpressa em muitas histórias populares de vibradores. A historiadora Helen King diz que não há evidências de que isso tenha realmente acontecido. O livro do amor não cita qualquer fonte, e não há escritos antigos ou achados arqueológicos que mencionem a suposta invenção de Cleópatra.
Muitas ligações foram feitas entre vibradores e o diagnóstico de “histeria”. O termo vem do grego “hysterika”, que significa útero. Durante o século 6 a.C., um médico grego chamado Aretaeus teorizou que o útero poderia se mover livremente dentro do corpo de uma mulher, causando problemas de saúde física e mental (5). Desde então, a “histeria” tem sido usada para descrever uma infinidade de doenças, especialmente em mulheres - de agressão, desmaio e ninfomania a gases (6).
Anos 1800: “Manipuladores”, “Circuladores” e o mito da masturbação médica
Saltar à frente por mil (e alguns) anos nos leva a uma ideia popular na história dos vibradores: que eles foram inventados por médicos ocidentais no século XIX, e costumavam ser usados para masturbar mulheres histéricas.
Nos anos 1800, a industrialização transformou muitos aspetos da vida, incluindo a medicina. O médico inglês, Joseph Mortimer Granville, inventou um vibrador elétrico em 1883, embora máquinas semelhantes ao massageador de mesa “Manipulador”, movido a vapor, do Dr. George Taylor, já estivessem em uso na França e nos EUA.
Se o nome Granville lhe soa familiar, você provavelmente o conhece como o médico sexy do filme de 2011 “Hysteria”. Infelizmente o filme - baseado no livro de Rachel Maines de 1998, “A Tecnologia do Orgasmo” - é um tanto criativo (inventivo?) com os fatos (7). A autora Maines admite,
“As pessoas simplesmente amaram minha hipótese e ela é apenas isso, na verdade. É uma hipótese, que as mulheres tenham sido tratadas com massagem para essa doença, histeria ... e que o vibrador tenha sido inventado para tratar essa doença. Bem, as pessoas acharam que era uma ideia tão legal que acreditaram nisso, como um fato. E eu digo: ‘É uma hipótese! É uma hipótese!’”
A historiadora Helen King não encontrou evidências de que os médicos já tenham masturbado seus pacientes como tratamento de histeria nos tempos antigos ou clássicos (6). Hallie Lieberman, autora de “Buzz: A História Estimulante do Brinquedo do Sexo”, disse-me que, mesmo que existisse, a massagem clitórica / clitoriana /no clitóris não seria um procedimento médico comum. Após extensa pesquisa, Lieberman nunca encontrou qualquer prova de um médico usando um vibrador para estimular o clitóris de um paciente até atingir um “paroxismo”; ou orgasmo.
Então, para que foi o vibrador de Granville?
Foi projetado para tratar dor, dores de cabeça, irritabilidade, indigestão e constipação - em homens.
Lieberman alerta que Granville sabia que o vibrador poderia ter usos sexuais e até servir para tratar a disfunção sexual masculina, mas nunca o usou nas mulheres (8).
Nesta altura, modelos de manivela como o “Pulsocon”, do Dr. Macaura, eram populares, devido ao seu baixo custo e à não necessidade de uma fonte de energia. O “Pulsocon” foi comercializado como um Circulador de Sangue, que podia “parar a dor rapidamente e curar sofredores crónicos.”
1900: Vibradores para curar impotência masculina?
Muitos médicos tentaram tratar doenças com vibradores, mas os acharam ineficazes. Em 1915, a Associação Médica Americana tomou uma posição, chamando a indústria de vibradores de “uma desilusão e uma cilada”. Os fabricantes de vibradores mudaram sua abordagem e começaram a anunciar seus produtos como eletrodomésticos para homens e mulheres de todas as idades.
Os anúncios eram vistos em revistas populares, publicações cristãs e no “New York Times”, alegando que os vibradores poderiam curar tudo, desde rugas até à malária.
Os aparelhos foram vendidos em shoppings e em populares catálogos de vendas por correspondência, e a revista “Good Housekeeping” publicou uma revisão “testada e aprovada” de diferentes modelos (9).
Mas as pessoas estavam os usando para se masturbar? Os anunciantes certamente pareciam estar insinuando isso. Um anúncio de 1908 para o vibrador “Bebout” assegurava aos leitores que tinha sido “inventado por uma mulher que conhece as necessidades de uma mulher” (7). Lieberman diz que, embora muitos anúncios usem linguagem sugestiva, as empresas não escrevem nada sobre masturbação em relação aos seus produtos.
Nessa época, a masturbação era amplamente vista como vergonhosa, e artigos “obscenos” eram ilegais nos Estados Unidos sob a Lei de Comstock de 1873 (10,11). Isso significava que os vibradores não poderiam ser publicamente anunciados como produtos sexuais. Para evitar a acusação, os fabricantes de vibradores adotaram a estratégia usada pelas empresas de contraceção: Enfatizaram os usos não sexuais e usaram linguagem e imagens eufemísticas para sugerir o uso sexual de seus produtos (12).
Nessa época, falar da sexualidade dos homens era socialmente mais aceito, enquanto a sexualidade das mulheres raramente era discutida - uma razão pela qual os vibradores eram anunciados como uma cura para a impotência masculina, mas não para o uso sexual por mulheres (13). Muitos vibradores vinham com acessórios semelhantes a um dildo, mas estes eram oficialmente usados para tratar queixas uterinas e constipação.
De acordo com Lieberman, “é impossível negar que os usos sexuais para vibradores não fossem conhecidos”.
Os médicos se preocupavam com o potencial de masturbação dos vibradores, mas geralmente pensavam nos homens. Um livro de conselhos para homens, de 1912, avisou: “Vários vibradores elétricos foram abusados por gente sem escrúpulos… para dar aos homens massagem vibratória dos genitais ... uma sensação semelhante à da masturbação” (9).
Fern Riddell, um especialista em sexualidade Vitoriano, confirmou: “Os médicos vitorianos sabiam exatamente o que era o orgasmo feminino; na verdade, essa é uma das razões pelas quais eles acharam que se masturbar era uma má ideia.” Eles sabiam sobre a função do clitóris, e alguns médicos iam tão longe a ponto de removê-lo como uma “cura” para a ninfomania (14). Apenas um médico da época - a defensora da saúde das mulheres, Clelia Mosher - conversou com as mulheres sobre suas experiências, confirmando que elas se masturbavam (15). Elas estavam usando vibradores para fazer isso? Parece que algumas delas sim.
O ginecologista e investigador do sexo, Robert Latou Dickinson, observou que um de seus pacientes usou um vibrador elétrico para se masturbar, mas não fez qualquer observação indicando que ele achou isso incomum (13). Outro médico, Edwin Hirsch, estava preocupado com a potencial utilização sexual de vibradores pelas mulheres, advertindo que “ostensivamente, o tratamento é para a erosão do colo do útero... mas o propósito oculto em inúmeros casos é para a masturbação, resultando em sensações voluptuosas” (16).
1920-1950: “Esse sentimento ótimo de estar vivo”
Alfred Kinsey publicou pesquisas inovadoras sobre a sexualidade feminina em 1954, incluindo a descoberta de que 62% das mulheres avaliadas se masturbavam, embora ele não tenha mencionado nada sobre vibradores (17).
Por esta altura, a agência “Food & Drug Administration” (FDA) começou a reprimir a utilização de vibradores, mas não por causa de associações com a masturbação. A FDA teve um problema com a comercialização de vibradores como aparelho de cura para todos os males e também dispositivo de perda de peso, apontando que, “os benefícios da vibração são limitados ao alívio temporário de pequenos problemas físicos. ”(9)
Vibradores elétricos como o “The Polar Cub” foram anunciados e comercializados como auxiliares de beleza superiores, capazes de transformar, não apenas o rosto de uma mulher, mas todo o seu corpo. Um anúncio para o vibrador “Arnold” prometia: “Toda mulher pode ter uma aparência impecável, jovem e finamente proporcionada”, acrescentando, “não há mais necessidade de pó, tintas, almofadas ou outras deceções”.
Em 1956 o shopping Sears produziu seu próprio vibrador, que foi anunciado como dando a você esse “sentimento ótimo de estar vivo” (9).
Anos 60 a 70: Masturbação como libertação
Quando a pílula anticoncecional ficou disponível para todo mundo e a atitude em relação ao sexo antes do casamento relaxou, algumas pessoas começaram a falar de maneira mais positiva sobre a masturbação. A educadora sexual e artista Betty Dodson começou fazendo oficinas de masturbação só para mulheres, em Nova York, no final dos anos 1960. Seus recursos didáticos originais eram um “Oster” e um “Panasonic Panabrator”, mas a partir de meados dos anos 70, Dodson começou a recomendar o “Hitachi Magic Wand”, ajudando a torná-lo um dos vibradores mais populares e conhecidos de todos os tempos.
Em um artigo de 1974 da revista “Ms. Magazine”, Dodson propôs que as mulheres se masturbassem como forma de recuperar o autoconhecimento sexual há muito tempo negado pela sociedade. Como? Usando um vibrador:
“Eu descobri que o vibrador me dá a mais forte e consistente forma de estimulação e é especialmente bom para mulheres que nunca tiveram um orgasmo.”
Dodson não foi a única escritora a exaltar a virtude dos vibradores: o médico britânico Alex Comfort entusiasmou-se com eles em “The Joy of Sex” (1972), dizendo: “Eles podem produzir alguma sensação sexual em quase qualquer mulher”.
Mas a masturbação ainda era estigmatizada nos Estados Unidos. Um estudo de 1974 concluía que 61% das mulheres avaliadas, se masturbavam, mas 25% delas diziam sentir-se culpadas, pervertidas ou temiam enlouquecer por fazê-lo. E em alguns lugares foi considerado como um crime. A “Lei do Dispositivo Obsceno”, introduzida no Texas em 1973, proibia “qualquer dispositivo projetado ou comercializado principalmente para a estimulação de órgãos genitais humanos”.
Para contornar essas leis, as empresas comercializavam os vibradores como “massageadores pessoais”. Foi nessa era que abriu a primeira “sex shop” feminina em Nova York, a “Eve’s Garden” (18).
Anos 80 a 90: A masturbação se torna popular—e, claro, o coelho
Em 1983, a empresa de brinquedos sexuais “Vibratex” tornou-se a primeira a trazer vibradores com componentes internos e externos para os Estados Unidos. Estes brinquedos foram produzidos em cores brilhantes e formas de animais, a fim de contornar as leis de obscenidade no Japão, onde os vibradores eram feitos. O Castor, o Canguru e a Tartaruga, todos tinham um componente interno, semelhante ao pênis, juntamente com diferentes tipos de sensores para estimulação externa, mas foi o vibrador Coelho que alcançou a fama, graças, em parte, a uma aparição em “Sex and the City”. O episódio, que foi no ar em 1998, mostra Charlotte se tornando viciada em um vibrador Rabbit.
2018: Mais fácil de comprar e mais popular do que nunca, mas ainda tabu
A Eve’s Garden foi a primeira de muitas lojas para mulheres adultas e de sexo positivo, e agora, nos Estados Unidos, os vibradores são vendidos em lojas convencionais como a “CVS” e a “Target”. A internet tornou mais fácil para as pessoas comprarem vibradores sem sequer sair de sua casa. Fala-se até mesmo em vibradores em programas de TV diurnos: no “The Oprah Winfrey Show”, a Dra. Laura Berman recomendou que as mães dessem às suas filhas adolescentes vibradores para que pudessem aprender sobre o prazer sexual. Mas o estigma e os padrões duplos persistem. Em 2010, a MTV se recusou a exibir um comercial para a “Trojan’s Vibrating Triphoria”, a menos que a palavra vibrator fosse removida (9). Enquanto isso, anúncios de disfunção erétil eram permitidos.
Em alguns lugares, os vibradores ainda são ilegais. Em 1998, os legisladores do Alabama aprovaram uma lei que proíbe a venda de qualquer dispositivo “projetado ou comercializado como útil, principalmente para a estimulação de órgãos genitais humanos”, a multa é de 10 mil dólares e um ano de prisão (19). Pelo menos duas mulheres foram presas. A lei anti-vibradores do Texas de 1973 ainda está em vigor, embora em 2008 um juiz a tenha declarado “inconstitucional e inexequível”. Fora dos Estados Unidos, há muitos outros lugares onde os vibradores são proibidos ou sua legalidade não é clara, incluindo as Maldivas, Emirados Árabes Unidos, Arábia Saudita, Tailândia, Malásia, Índia e Vietnã.
As inovações tecnológicas são abundantes: de vibradores recarregáveis ecologicamente, a modelos de silicone médico de alto grau que oferecem uma variedade de velocidades, ritmos e movimentos. Há vibrações de “bala” de bolso, opções mãos livres, vibradores que estimulam várias partes do corpo ao mesmo tempo, e sofisticadas “joias sexuais”, como a “Pearl Royal” de um milhão de dólares, com pedras preciosas incrustadas. Os vibradores inteligentes podem ser programados, controlados remotamente e sincronizados com sua música favorita.
Culturalmente, é difícil dizer quanto mudou desde a invenção do vibrador. O uso de vibradores é comum entre mulheres heterossexuais, lésbicas e bissexuais, hoje mais associado a comportamentos que promovem a saúde e uma sexualidade positiva, de bem-estar (20,21). Um espetro mais amplo de gênero e sexualidade é reconhecido no cinema e na TV, embora tenhamos pouca informação sobre a história dos vibradores no que se refere a pessoas fora do gênero binário.
Mas os vibradores continuam a ser vendidos como massageadores ou novidades, e a masturbação feminina ainda é muitas vezes retratada como vergonhosa, ridícula ou inferior ao sexo com um homem. Nos Estados Unidos, métodos contraceptivos e os brinquedos sexuais para mulheres ainda são bastante regulamentados, enquanto os auxiliadores sexuais masculinos, como o “Viagra”, são promovidos abertamente.
Seria bom pensar que os costumes sexuais ocidentais progrediram em linha reta, de reprimidos para liberados, mas a história do vibrador - e as atitudes em relação a ele estão constantemente em fluxo.
Editado: Recebemos um feedback cuidadoso da historiadora Helen King, que nos contou que, a história sobre Cleópatra e sua abóbora com abelhas não só é difícil de verificar, mas como é, na verdade, um mito. Editamos nosso artigo para tornar isso mais claro.
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